quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

DEIXANDO A PETECA SUBIR

Sem sombra de dúvida, vivemos atualmente a febre dos esportes radicais. É, este mesmo radical outrora tão temido na política, invariável na gramática, simbólico na matemática e livre na química, nunca teve um campo tão fértil nos esportes como nos dias de hoje. Skate, windsurf, full-contact, motocross, canyoning, paraglind, bungee-jumping e fist fucking, além de muita coragem, existem técnicas especiais e, principalmente, um mestrado em inglês.Entretanto, se pensarmos melhor, chegaremos à seguinte pergunta: o que é preciso para que um esporte seja considerado "radical"? Bem, seria o número de fraturas que ele proporciona? Não, nada disso. Tem que aparecer em programas de tv apresentados por idiotas? Também não. Seus praticantes têm que usar malhas coloridinhas e constrangedoramente apertadas? Talvez, mas não seria só isso... Na verdade, o que faz com que qualquer atividade física seja taxada de radical é o nível de exposição do praticante. Aí é que as aparências enganam. Assim, o mais subestimado desses esportes, deva ser, acredite se quiser, a peteca! Realmente, não há nada mais radical do que ficar horas a fio distribuindo tapas numa trouxinha voadora cheia de penas em público! Tem que ser muito macho pra fazer uma sacanagem como essa!

Como já disse, o radicalismo está no altíssimo nível de exposição de si mesmo! Isto porque o verdadeiro radical é desprovido de vergonha na cara, não está nem aí para nada e o petequismo cai-lhe como uma luva. Senão, vejamos: etimologicamente existem três prováveis origens para a palavra "peteca". A primeira vem do sânscrito "petekhan", que traduzido significaria algo como: "Tia, o Naldinho gritou com o meu sorvete de azeitona!", o que não faz absolutamente nenhum sentido. A segunda vem do grego "hypothéke", depois para o latim "hipotheca" e finalmente dando no português "hi... peteca...", já numa clara demonstração do desprezo da moçada da época pelo esporte. O mais provável mesmo é que o termo derive do tupi "peteca" ("batendo"), o que prova que, até historicamente, jogar peteca sempre foi programa de índio, vide as penas da mesma que não me deixam mentir.

O mais impressionante no jogo de peteca é a sua enorme capacidade para revelar a essência da natureza humana com incrível transparência. Lembro-me, certa vez, ao andar pela praia de Ipanema, quando me deparei com quatro senhores grisalhos e extremamente barrigudos, divididos em duplas, num interminável festival de bolachas, daquelas estaladas que os palhaços trocam no picadeiro para delírio da massa ignara, como diria Nelson Rodrigues. Confesso que fiquei chocado! Ali, na minha frente, quatro quinquagenários, prováveis pais de família e pilares da sociedade, embolachavam freneticamente um saco voador, num joguete sem sentido e com a expressão mais excitada do mundo! Estava bem ali: a agressividade gratuita, em seu estado puro, usando sunga e suando feito louca. Não pensavam em nada. Não tinham pudores de ninguém. Às favas a sociedade! Naquele momento eram um bando de selvagens se satisfazendo com a característica mais vergonhosa do ser humano: a violência pura travestida como um saudável joguinho.

Na base de couro daquela peteca estavam projetados milênios de nossa maravilhosa civilização - primatas brigando por território, as guerras púnicas, Gengis Khan, a inquisição, o 3º reich completo e cara enrugada de todas as sogras do mundo. Tudo isso tratado com a marca registrada do homem: o tapa na cara: surdo, primitivo, estúpido, porém, sinceríssimo.

Não se iludam, a peteca é tudo menos um exercício inocente. Ou você acha que o sentido do jogo está em fazer a pobre petequinha voar a esmo feito uma desvairada de um lado para o outro ou aplicar bofetadas a granel na cara do mundo sem explicações, culpa ou remorso, descarregando uma das essências do ser humano? É o inconsciente coletivo vivo, é o bê-á-bá da ignorância, é a catarse perfeita, é o tabefe pelo tabefe e pronto! Isso sim que é ser radical.

Sim, a peteca é radicalíssima. Adrenalina, garra, velocidade, aventura, preparo físico, etc. Tudo isso é conversa pra boi dormir perto de uma partidinha de peteca. Não acredita? Então tire este short de lycra vergonhoso e experimente jogar um pouco com um petequeiro qualquer. Ele vai estar esperando você de mão aberta. Num sentido só, é óbvio!

Adolar Gangorra, 67 anos, é editor do periódico humorístico Os Reis da Gambiarra e costuma ir a praia de terno.

2 comentários:

D.Romeu Montecchio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
D.Romeu Montecchio disse...

"E quando derem uma petecada em sua face direita, devolva a petecada na face esquerda!"

XD

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