sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O SELETO CLUBE RACIAL DA PUBLICIDADE BRASILEIRA

         Se você é um estudante de Publicidade e Propaganda ou um profissional da área ou até mesmo um consumidor comum, você costuma prestar atenção em peças publicitárias em geral. Não costuma? Pois deveria. Mesmo assim, você deve ter notado que, de alguns anos para cá, há a presença constante, porém não expressiva, de membros da raça negra em anúncios. Entretanto, a maioria dos atores e modelos dessas peças é composta por brancos - onde o indefectível loiro de olhos azuis é presença constante.  Progressivamente, temos visto alguns negros representados em anúncios. Antes, era regra geral haver somente modelos e atores brancos. Negros, mulatos e pardos, nem pensar. Você já imaginou o porquê dessa pequena mudança recente? Não imaginou? Pois deveria.

        Talvez você possa ter pensado que esse fenômeno tenha se originado por um processo justo de inclusão social, de uma conscientização legítima ou até de uma tardia e reparatória representação da verdadeira identidade racial e cultural da composição do nosso povo por parte Publicidade brasileira, etc. Bem, antes desse rol tão escrupuloso de motivos, temos uma outra e verdadeira razão nada nobre: por meio de pesquisas sócio-econômicas de consumo recentes, percebeu-se que há um número crescente de representantes da raça negra com poder aquisitivo razoável e com poder de compra expressivo. Assim, estava homologada pela nossa "conscienciosa" Publicidade a certidão para que esse grupo étnico, de expressividade fundamental em nosso país, pudesse se ver representado pictoricamente no “civilizado” padrão audiovisual dessa indústria. Antes tínhamos, no máximo, o famigerado menino-“fumante” do cigarrinho de Chocolate Pan (se você não sabe o que é isso e ainda se diz publicitário, vá fazer concurso pra carteiro, meu chapa!), estereótipos caricatos como o Sebastian da C&A, o mecânico da DPaschoal ou o famoso operário de construção da Demacol com seu inabalável sentimento de positividade digital. E todos, negros na linha ”Pai Tomáz” (também não sabe, pô?) e não como representantes-espelhos de um consumidor de uma determinada etnia.

        É importante imaginar porque isso acontece. Antes, segundos essas pesquisas, os negros não consumiam de forma suficiente para os padrões ideais de certos produtos. Então, não interessava à indústria publicitária mostrar um representante dessa raça em seus anúncios. Exclusão econômica somente? Se isso fosse verdade, os negros andariam nus, beberiam só água da chuva e teriam uma horta de subsistência em suas casas. O fato é que nem em anúncios de supermercados se via atores ou modelos negros ou mulatos. Os negros não seriam agradáveis para o padrão estético publicitário brasileiro? Haveria um racismo implícito no que a publicidade aponta como modelo do ideal e do belo? Negros, mulatos e pardos foram imitidos do seleto clube da Publicidade brasileira até ser "provado" que tinham condições financeiras de participar, ou seja, antes eram invisíveis. Depois que um poder econômico foi detectado, aí sim, poderiam aparecer pois vão consumir de acordo com os níveis que essa indústria considera relevantes. Antes disso, não existiam. Uma vergonha, para dizer o mínimo...

        E mesmo agora só vemos negros com determinado padrão estético que essa mesma indústria determina: os homens são invariavelmente carecas ou usam um cabelo moderno tipo dread-lock ou o chamado estilo “afro”. Não há negros com cabelos no estilo Pelé ou Milton Gonçalves nos anúncios. Por que? Para a Publicidade, o cabelo natural do negro é feio?

        Talvez uma das explicações para esse fato tão infeliz esteja no ponto de que a “inteligentsia” publicitária brasileira teime em operar em bloco imitando padrões estrangeiros e não de maneira independente e interessada em assimilar a realidade que a cerca (convenhamos: REALIDADE não é forte do universo da publicidade, não é mesmo?)

        Essa tendência atual dos anúncios faz parecer que os negros chegaram ontem no Brasil. Uma omissão ofensiva sustentada outrora por interesses econômicos, porém agora cuidadosamente dosada sempre por esses mesmos interesses que não refletem o que se passa fora do mundo artificial e, muitas vezes, lamentável dos anúncios.

        Tão importante quanto perceber esse fato é desenvolver uma visão crítica capaz de enxergar além dentro das normas e códigos internos da comunicação publicitária. E como um estudante de Publicidade Propaganda ou um profissional da área ou até um consumidor comum, você está desenvolvendo também essa visão. Não está? Pois...


Adolar Gangorra tem 69 anos, é publicitário e editor do site www.adolargangorra.com.br e acha que o saudoso Tião Macalé e seu bordão "Ih! Nojento!" seria o garoto-propaganda perfeito para empresas de telefonia, operadoras de cartão de crédito e empresas de tv a cabo no Brasil.

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