sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"ATENÇÃO! SENTIDO! ORDINÁRIO, MARCHE! VAI COMEÇAR O ESPETÁCULO!"

Ao longo do século 21 e 22, todas as formas de governo conhecidas foram apresentando sinais de fadiga. Apesar das várias adaptações feitas, os modos como as nações eram conduzidas revelaram-se ineptos e anacrônicos. Tanto democracias corruptas como ditaduras bossa-novas só conseguiram gerar revoltas e descontentamento na população mundial. Guerras sem fim começaram.

Com a falência generalizada dos governos, as forças armadas de todos os países conspiraram secretamente e se mobilizaram até formarem uma "Nação Militar Mundial" e acabaram por dominar todo o planeta. Esse controle, obviamente, começou no governo, depois se deu na economia, política, indústria, comércio e acabou por penetrar até nas mais simples atividades cotidianas. Por exemplo, no Brasil, ao Exército, coube administrar áreas como engenharia, segurança, impacto ambiental, venda de seguros até chegar a setores extremamente específicos que se revelaram mais um transtorno do que uma satisfação. O Teatro foi uma delas...

Em primeiro lugar, havia um problema básico: os militares não entendiam porquê ainda havia Teatro no mundo se o Cinema já tinha sido inventado há séculos! Mesmo assim, tiveram a boa vontade de pesquisar a Arte Dramática como um todo, para organizar e coordenar essa mui útil atividade cultural em prol, digamos, do... do... aí, realmente eles não sabiam bem o porquê...

Os oficiais encarregados dessa árdua tarefa se identificaram muito com uma linha teatral denominada "Teatro do Absurdo", desenvolvida pelo dramaturgo irlandês do século 20, Samuel Beckett, por acharem que toda forma de Teatro já é um absurdo por si só. Quando perceberam seu equívoco, mandaram alguns suboficiais pagarem algumas flexões e ficou tudo por isso mesmo.

Depois de um metódico estudo histórico para saberem do que se tratava o tal Teatro, os militares estipularam certas normas básicas de funcionamento para que essa atividade transcorresse na mais pura ordem, disciplina, pujança, orgulho pátrio, fervor varonil, mais valia da destreza e do raciocínio lógico em vez da desabalada carreira para a toca do lobo mau, etc., etc., etc. Abaixo, as leis mais famosas:


1ª Lei - Foi determinada a obrigatoriedade da execução do hino nacional juntamente com o hasteamento do pavilhão nacional antes da apresentação de qualquer espetáculo teatral. A platéia também estava convocada a se juntar à companhia de teatro para entoar o hino. Quem se recusasse, tinha que mostrar atestado médico, usar óculos fundo de garrafa ou ter um tio General.


2 ª Lei - Foi decretado que todas as manifestações teatrais no Brasil teriam obrigatoriamente um caráter histórico-cultural. Para isso, foi elaborada uma lista ÚNICA de peças que podiam ser encenadas. A saber:

- As Alegrias da Guerra do Paraguai

- General Osório: Deus ou Semideus?

- Farda Não é Fardo, Seu Molenga!

- O Menor Zoológico do Mundo

- As Trapalhadas do Coronel Hastinphilo e o Batalhão Bate-Cabeça!

- Lenda Verde-Oliva: Um Pedaço da História Militar Sul-Americana em Torno da Batalha dos Ardauzes ou de Passo do Arroio, na Guerra de 1727 a 1735, entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio Wiederspahn

- Inteligência Militar (peça infantil)

Montagens famosas da nossa dramaturgia foram alteradas. "Vestido de Noiva" passou a se chamar "Poncho Camuflado Para Núpcias". "Dois Perdidos Numa Noite Suja" virou "Dois Recrutas na Folga". "Arena Conta Zumbi" foi rebatizada de "Arena Contra Zumbi" e "É" virou "Sim, Senhor!". Clássicos estrangeiros também tiveram que se adaptar à nova realidade. "Romeu e Julieta" ganhou o nome de "A Sanguinolenta Batalha Entre as Famílias Montecchio e Capuleto". "A Morte do Caixeiro Viajante" se tornou "Baixa de Guerra" e "Um Bonde Chamado Desejo" virou "Como Eu Quero Esse Urutu!"

3 ª Lei - Todos os diretores de teatro foram substituídos sumariamente por sargentos aos quais incumbiram-se as tarefas de coordenar as atividades afins de cada grupo teatral. O sargento-diretor tinha como atribuições escolher os atores entre civis e militares. Para que não houvesse injustiças, o critério criado foi uma prova simples que consistia em uma corrida de 10 mil metros em menos de 45 minutos, 3.000 flexões em menos de 20 minutos, 450 polichinelos em exatos 450 segundos e a desmontagem, limpeza e remontagem de um fuzil FAO, de olhos vendados, em cima de uma corda bamba em chamas.

Mesmo assim, alguns civis conseguiram "penetrar nas fileiras inimigas" e continuaram insistindo em fazer teatro, só que não como gostariam os militares, devido à dificuldade da maioria em misturar concreto, carregar tijolo, bater prego. Aos antigos diretores de teatro substituídos, couberam tarefas frugais e lúdicas como escovação de cavalos, limpeza de latrinas e engraxamento dos jipes da pequenina frota do Exército.

O sargento-diretor tinha também a função de passar o texto a ser decorado pelos atores no ensaio. Caso o ator errasse alguma fala, um demérito lhe seria retirado numa escala de 1 a 10. Se continuasse a errar, seria obrigado a pagar 50 flexões na frente do grupo por cada gaguejada que cometesse. Se o ator se enrolasse feio durante a apresentação, seria detido em prisão especial, enfrentaria a Corte Marcial e teria que ficar duas semanas em posição de sentido com um balde de alumínio na cabeça, gritando ininterruptamente a frase: "SOU UM IDIOTA! SOU UM IDIOTA!"

Um código de disciplina mínimo foi criado para que a comunicação fluísse tranqüilamente entre o diretor e os atores. Esses deveriam se dirigir ao seu superior hierárquico imediato, o sargento-diretor, somente por meio das seguintes expressões: "SIM, SENHOR!", "NÃO, SENHOR!" e "NÃO, NÃO POSSUO MACONHA NENHUMA, SENHOR!"

4 ª Lei - Na divulgação das montagens para a imprensa, o ator, no caso, o soldado-ator, deveria responder todas as perguntas pronta, objetiva e destemidamente.
Eis uma matéria feita por uma repórter de televisão da época:

REPÓRTER - Oi pessoal! Estamos aqui com o Cabo Praxedes, do 1º Grupamento de Produção de Entretenimento Teatral Garra Auriverde, que interpreta o personagem-título no clássico de William Shakespeare, Macbeth, na peça que agora passou a se chamar "General Macbeth". Cabo, pra você, como é interpretar o Macbeth, é fácil?

CABO - Afirmativo. É só decorar o texto e depois repeti-lo na hora do espetáculo, SENHOR!.

REPÓRTER - Senhor? Eu sou uma mulher! Hum..."descansar", Cabo, há, há! Não precisa ficar em posição de sentido a entrevista inteira... Então, como você sente o Macbeth?

CABO - Não entendi a pergunta, SENHOR!

REPÓRTER - Como o é Macbeth pra você? O que ele passa pra você em matéria de emoção?

CABO - Veja bem, o personagem Macbeth não existe na realidade. É apenas um produto da imaginação do autor. É uma história escrita em um papel. E ele não "passa" absolutamente nada. Quem tem que receber o texto perfeitamente decorado é o sargento-diretor que dirige o nosso Grupamento, SENHOR!

REPÓRTER - Ok, mas quanto à emoção, a energia da platéia durante o espetáculo, os aplausos, o olhar da crítica...?

CABO - A única emoção é a satisfação do dever cumprido, SENHOR! Quanto mais suarmos no treinamento, menos sangraremos no combate! GARRA AURIVERDE! BRASIL!

Em seu levantamento, os militares se interessaram em descobrir quem seriam os grandes teatrólogos brasileiros do passado. Ficaram perplexos com alguns fatos históricos. Por exemplo: no ano de 2003, um diretor de teatro chamado Gerald Thomas, exibiu suas nádegas para a platéia e teve que responder legalmente por esse gesto. Não há militar que entenda esse ato exceto como falta disciplinar grave, mesmo deduzindo, ao lerem os comentários da imprensa da época, que o sr. Thomas poderia, talvez, estar querendo mesmo era "dar a bunda pra galera", prática essa bastante comum em ambos os meios, tanto o militar como o teatral.

Esse fato bizarro despertou para a questão da possibilidade da presença de homossexuais nas fileiras do Teatro Militar. Logo, o Exército decretou a proibição dos mesmos em qualquer atividade ligada a esse universo dramático. Assim, após a promulgação desse ato, essa atividade cultural cessou imediatamente de existir em nosso país por falta absoluta de contingente.


Adolar Gangorra tem 71 anos, é editor do site www.adolargangorra.com.br e nunca acreditou nessa conversa mole que o nome Rambo tenha sido inspirado no nome Rimbaud, apesar de ter visto todos os filmes de ação do poeta francês e ter lido toda a singela poesia do boina-verde norte-americano!

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